O que aprendemos com “A parte que falta”

Provavelmente você se emocionou com a historinha lida pela JoutJout em um vídeo publicado semanas atrás. E, se talvez não saiba do que estou falando, vai apertar o play ali embaixo e vai se emocionar hoje. A parte que falta (original The Missing Piece, de Shel Silverstein), um livro infantil que conta a trajetória de um bonequinho que rola em busca de um pedaço seu, realmente dá o que falar. É pauta pra discutir durante horas em roda de amigos, no colégio, no consultório do seu terapeuta, na aula de yoga, com o professor de filosofia…

Mas, afinal, por que a história da bolinha que rola pela estrada afora buscando a sua parte que falta comoveu tanta gente?

Antes de entrar na questão, tem uma curiosidade  que talvez muitos não saibam. Ao contrário do que parece, o livro não é tão novo assim. O escritor americano Shel Silverstein nasceu em 1930 e morreu em 1999. E o livro foi escrito em 1976, mas foi só neste ano que recebeu a tradução brasileira. E então, como é que uma história escrita há mais de 40 anos provocou todo esse impacto (depois do vídeo, ele ficou entre os mais vendidos no Brasil)?

– Por que o livro está mexendo com as pessoas? Acontece que elas estão se projetando na historinha. ‘Não está bom, eu posso ter a vida dos meus sonhos… me falta alguma coisa’, que é a busca. E na verdade, como diz o poema, não existe o caminho para a felicidade, ela é o próprio caminho. A felicidade é um conceito, e é isso que o livro reflete – explica o psicólogo especialista em adolescência e em saúde mental André Assunção.

André observa que, talvez, o fato de estar crescendo uma geração acostumada a “ter coisas” com facilidade colabore com uma certa frustração. Isso faz com que essa geração pense que pode ‘ter tudo ao mesmo tempo agora’ e se decepcione ao perceber que não é bem assim.

– Estamos vivendo em um momento histórico, de uma geração que não teve tantas frustrações quanto seus pais. Não frustrar ou não permitir que as pessoas se frustrem está piorando a qualidade do ser humano. Essa necessidade de estar se sentindo sempre saciado atrapalha. Afinal, é a busca, é a procura, e a própria frustração, que fazem a gente crescer e evoluir – reflete.

Se por um lado alguns se apaixonaram pelo enredo que mostra um serzinho atrás da parte que falta e dá a lição de que somos seres eternamente incompletos, um outro lado – talvez não muito explícito no livro – pode trazer a ideia do quanto muitas vezes mantemos relações “descartáveis”.

– As relações têm sido tão superficiais que, se não deu certo em um aspecto, são descartadas. Para mim, o livro também mexeu muito com as pessoas porque ele vai na ferida e questiona: “pensa se você precisa responsabilizar um ‘outro’ pela sua felicidade, se a felicidade só vai ser completa com essa parte que falta” – comenta o psicólogo.

O fato é que parte que falta nem sempre é relacionada a uma pessoa. Ela pode ser o emprego dos seus sonhos, aquela cidade que você queria morar, pode ser ter sua família e amigos por perto… Mas é certo que sempre vamos lidar com um buraquinho que falta. Sempre vai faltar.

– E o que a gente quer, de fato? Ser completo? O bonequinho da história diz que não. Ele queria intensidade nas coisas que ele vive. E pra isso não precisa estar completo, e sim em movimento. Mas em movimento, num ritmo em que consiga saborear as coisas. Que urgência é essa que o ser humano estabeleceu para a vida? Que, como a bolinha, quer rolar, rolar, para chegar no lugar, e ao chegar, perceber que não era ali que queria estar? É o que o livro nos mostra – reflete André.

E é real. Às vezes ficamos tão focados buscando “uma parte que achamos que falta” que não percebemos que o que realmente nos faz feliz é justamente sentir o perfume da flor ou deixar a borboleta pousar em nós. Implicitamente nisso tudo também está a célebre “cada escolha uma renúncia”. E afinal, o bonito não é justamente saber equilibrar e lidar com as faltas que sempre existirão? Tudo bem. Você pode até  dizer que bonito não é, mas é necessário. Porque a vida é feita de preenchimentos e faltas, e sempre vai ser.

Em tempo: aqui em Santa Maria a gente encontra o livro na  Athena Livraria (no centro e no shopping Praça Nova) por R$ 44,90.

Em tempo 2: deverá sair a continuação do livro, “A Parte que falta encontra o grande O” . Também com o selo da editora Companhia das Letrinhas, o livro tem previsão de lançamento para 13 de abril. Já queremos!!

Veja o vídeo publicado pela JoutJout

 

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