*texto contém spoiller*
Faz alguns dias que terminei de ler Me Chame pelo Seu Nome – ele inclusive foi tema do último encontro do Clube de Leitura Athenados, da Athena Livraria, sobre o qual já falei neste post, mas quis deixar pra escrever esse texto depois que também visse o filme.
Pois bem. Li o livro e vi o longa (vencedor do melhor roteiro adaptado no Oscar deste ano e com três indicações). Li antes de ver e acredito que isso tenha influenciado muito na resposta à grande pergunta: “melhor o livro ou o filme?”. Antes de ir às comparações preciso enfatizar que independentemente de falarmos da história original ou da adaptação ao cinema, o enredo é incrível. Intenso. Visceral. Arrebatador. Me deixou flutuando por alguns dias.
A história vai muito além de um romance erótico homoafetivo. Muito mesmo: por vários momentos, durante a leitura, esquecia que a trama era sobre um casal gay. Porque realmente não interessava, o que sempre importou nessa história foi o sentimento genuíno nutrido por ambos – Elio, um adolescente de 17 anos, e Oliver, o hóspede universitário de 24 anos que passa o verão na casa de praia a convite do pai de Elio, que costuma hospedar estudantes em temporada.
Um sentimento avassalador pelo visitante toma conta do adolescente que está com os hormônios à flor da pele, ainda tentando entender o turbilhão de sentimentos e descobrindo sua identidade sexual. Enquanto narrador, Elio não sabe explicar o que passa na cabeça Oliver do outro lado, e é isso o que nos prende na primeira metade do livro: o que Oliver sente? Por vezes provocativo e outras indiferente, ele segue sem dar a entender a real intenção, pelo menos no início. É difícil desvendar o que vai acontecer nas páginas seguintes mas uma coisa é certa: para Elio, eles podiam estar juntos a qualquer momento, um calcanhar de fora é desculpa pros mais inescrupulosos sentimentos e desejos do adolescente.
No livro não sabemos em que ano a história se passa – só que foram seis semanas de convivência entre Elio e Oliver, e que se passaram pelo menos 20 anos desde que a história aconteceu enquanto Elio narra. O livro também não explicita qual é a cidade onde se passa a história (soube depois que o B. se refere à cidade de Bordighera, situada na riviera italiana e onde Monet costumava pintar seus quadros – mais um pecado do filme, que em nenhum momento se refere a isso na história).
As cigarras, o suco de damasco, as músicas ao piano, os passeios de bicicleta, a grama, o toque…Um texto delicado e cheio de descrições sobre os sons, os cheiros, os sabores e as texturas de um verão italiano em meio a uma história (de amor?) entre dois jovens se descobrindo e se enxergando um no outro.
Os sentimentos dos protagonistas são tão bem descritos que quase nos fazem sentir de novo o que o primeiro amor desperta. Uma sensação de novidade misturada com algo platônico, inalcançável, inatingível, mas um sentimento tão forte e intenso que parece não caber dentro dos protagonistas e que transborda entre os corpos quando se encontram.
O livro ou o filme?
O fato de ter antes lido o livro fez com que eu criasse uma expectativa bem grande para ver a obra adaptada ao cinema. Então, nem preciso explicar por que preferi zilhões de vezes o livro ao filme – apesar de ouvir muitas pessoas dizerem que amaram ambos. Os personagens estão bem fiéis, sim, ao livro, e tem muita coisa que é fiel, sim, até porque o filme ganhou o oscar de melhor roteiro adaptado. O que acontece é que – talvez, pequenas – diferenças na adaptação do filme estavam me causando realmente grande expectativa para poder ver “em carne osso” a história. Pontuando: a personagem Vimini, uma menina de 10 anos que sofre de leucemia e é amiga de Elio tem, no livro, um papel essencial e bonito, e não está na história adaptada. Em uma análise pontual, ela é praticamente a interlocutora de sentimentos entre Elio e Oliver, que pouco se comunicam até então. No filme, uma das frases atribuídas a ela foi dita pela mãe de Elio – “Oliver gosta muito mais de você do que você dele”.
Ponto fraco da adaptação
Outro momento lindo do livro e que na adaptação não é a mesma coisa foi, pra mim, os últimos dias antes de Oliver ir embora. Os dois passam três dias em Roma – viagem bancada pelo pai de Elio, mas feita a convite do editor do livro de Oliver. O livro dá detalhes dos dois passeando pela Via del Corso, pelo Pantheon, cruzando a madrugada em praças e ruelas romanas, indo ao evento de lançamento em uma livraria. Os últimos dias juntos são intensos e muito bem descritos no livro. Já no filme, esses três dias se passam rápido demais e a viagem é para Bérgamo, não para Roma.
Mas um dos pontos mais altos e emocionantes do livro – e que eu realmente esperava ver no filme, mesmo já sabendo que não estaria da adaptação – não foi mostrado: os anos seguintes que se passaram e que fazem uma relação linda e reflexiva do tempo – que aliás, é muito citado no livro. É que no filme, a história termina quando Oliver vai embora depois dessas seis semanas, e após um um tempo, faz uma ligação e Elio atende em frente à lareira de casa. No livro, porém, há alguns reencontros após quase duas décadas sem os dois se verem. Os momentos mais reflexivos e emocionantes da história se dão nessas passagens de tempo, em que eles se reencontram, relembram o que viveram, e ainda se identificam: “sou como você. eu me lembro de tudo“.
Ponto forte da adaptação
Vamos combinar que o ponto mais forte da adaptação foi um diálogo de Elio com o pai, depois da a despedida de Oliver. O trecho mais fiel ao livro, na minha opinião, e que colocou na boca do personagem praticamente as mesmas palavras escritas no livro. O maior exemplo de acolhida e de “conselho pra vida” que um pai poderia dar. De chorar. Aqui vão elas:
No seu lugar, se houver dor, cuide dela, e se houver uma chama, não a apague, não seja bruto com ela. Arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos das coisas mais rápido do que deveríamos, que declaramos falência antes mesmo dos trinta e temos menos a oferecer a cada vez que iniciamos algo com alguém novo. A abstinência pode ser uma coisa terrível quando não nos deixa dormir à noite, e ver que as pessoas nos esqueceram antes do que gostaríamos de ser esquecidos não é uma sensação melhor. Mas não sentir nada para não sentir alguma coisa… que desperdício!
É por isso que Me chame pelo seu nome fala muito mais do sentimento humano no geral do que exatamente de uma trama homoafetiva. É sobre o desejar, o sentir, o ter e o perder que a história se detém. E no meio de tudo doses homeopáticas de sensações contraditórias, de paixão, de desejo, de pele, de amor sem ser amor, ou será que não?, afinal… cor cordium, não é mesmo?
Por fim, é bom lembrar que o autor, André Aciman, enfatizou em uma entrevista (leia aqui) que não usou a palavra amor durante o livro. Mas, aqui entre nós… se isso não é uma história de amor, então… o que seria amor?
P.S. Deixo abaixo uma dica de playlist (indicada pela Bruna, coordenadora do Athenados) e simplesmente outra dica: se você viu o filme e gostou, por amor às histórias originais, faça um bem a você mesmo e leia este livro. E aproveite cada linha. Eu garanto que não vai se arrepender.
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