Uma casa que pode até passar despercebida por quem anda pela Rua Sarmento Leite, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, é um dos recantinhos mais poéticos da Capital. Na minha opinião, é claro. Não só porque quando a gente entra, dá de cara com prateleiras vazadas de livros em um cômodo, lustres e quadros antigos em outro, estofados e cadeiras de época em outro. Não só porque parece que fomos transportados a algumas décadas atrás. Mas também porque todo o ritual, desde o atendimento até a escolha do prato e dos chás, é especial e aconchegante.
O Agridoce Café era um lugar que estava na minha lista para conhecer há muito tempo, e dia desses passei pela experiência, junto com a Leti, minha amiga que indicou. Depois disso fiquei muito curiosa pra saber como nasceu toda aquela ideia que se transformou naquele ambiente lindo. Uma casa com seis cômodos, decoração maximalista, onde as cores vibrantes da parede combinam com o tom rústico das mesas, que combinam com os lustres, e onde ver xícaras e abajures no teto é normal e charmoso demais.
Cheguei em casa, busquei os responsáveis por esse espaço e acabei conversando com a Raquel. Foi ela quem respondeu algumas perguntas sobre essa casa e esse projeto lindo, que começou em 2014 e que encheu o nosso sábado chuvoso de charme e aconchego.
Como surgiu a ideia de abrir o Agridoce?
Raquel Sonneman – Nós abrimos em 2014, com três sócios inicialmente: eu, uma amiga e meu namorado, Guilherme. A ideia começou comigo e minha amiga. Sempre brincávamos sobre um dia abrirmos um café, mas realmente parecia um sonho que seria realizado só em uma idade mais madura, parecia algo muito distante. Alguns anos se passaram, nos formamos (em Ciências Sociais) e estávamos um pouco perdidas no sentido profissional, assim como muitas pessoas da nossa geração… Estávamos no verão em Porto Alegre, sem ter o que fazer. E aí pensamos: quem sabe colocamos a ideia desse café no papel e vemos quanto custaria, o que precisaríamos? Começamos a trabalhar em casa. Fomos ao Sebrae, fizemos consultoria de planos de negócio. E começamos a preencher o documento com informações de pesquisa, contato com fornecedores, lojas e tudo mais… Chegamos ao valor final e começou aquela saga horrível de ter que levantar dinheiro, uma montanha russa de emoções: pedir para a família, pra amigos? Fomos, aos poucos conseguindo juntar grana, mas faltava uma última parte, e abrimos para um terceiro sócio. Meu namorado já tinha morado fora e trabalhado em cozinha, é uma pessoa com personalidade dinâmica e fecharia muito bem com o negócio. Sempre estava muito empolgado e nos incentivando, e fechamos a parceria.
A casa é cheia de objetos garimpados – lustres, abajures, pratos, quadros, livros. De onde veio essa ideia e como vocês resgataram os objetos?
A ideia era abrir um café menor, com objetos garimpados. Tinha a ver conosco: uma decoração maximalista, ou seja, bem poluída, cheia de objetos, cheia de pontos que atraem o olhar, e também porque achamos que era mais sustentável, de certa forma. Não só pela questão do meio ambiente, mas também porque os antiquários são empresas pequenas e é legal beneficiar esse tipo de empresa na hora de consumir. E talvez isso nos trouxesse algum tipo de economia, porque já garimpávamos esse tipo de antiquários para a nossa casa. Percebíamos que apesar de as pessoas terem o preconceito de o antiquário ser caro, ele tem o mesmo valor ou é até mais barato do que o MDF. São móveis em madeira nobre que muitas vezes não é mais usada.
O café sempre existiu na casa da Sarmento Leite?
Sim. Nosso sonho era abrir em uma casa antiga, mas achamos que não conseguiríamos dinheiro para isso. Mas quando essa casa da Sarmento Leite entrou para locação, não tivemos dúvidas de que tentaríamos um esforço máximo, porque ela tinha tudo a ver com a nossa cara e a proposta. E que bom que fizemos esse esforço. Porque realmente o Agridoce seria completamente diferente se fosse em outro local. Alugamos a casa, dando um passo maior que a nossa perna. Nós mesmos fizemos parte da reforma: pintamos, estofamos parte das cadeiras, reformamos todas que compramos, foram três meses de trabalho ininterrupto. Sem folga, 12 horas por dia de trabalho físico braçal, pele ressecada, cabelo duro de pó… Foi um momento bem curioso nas nossas vidas, uma imersão de trabalho, que não tinha acontecido ainda pra nós. Mas era a única forma que tínhamos para fazer o dinheiro render. O Guilherme fez todas as instalações elétricas, construímos todas as luminárias e ficamos no primeiro ano trabalhando os três juntos. Depois a minha amiga saiu porque tinha passado num concurso. Foi ao mesmo tempo nessa época que surgiu a casa ao lado, idêntica, disponível, germinada, e conseguimos alugar também. Fizemos a ampliação e o Agridoce dobrou de tamanho. Não tínhamos mais tempo e condições de fazer parte da obra, fizemos só acabamento e decoração. Foi uma aventura.
O lugar é cheio de elementos na decoração que remetem “à casa da vó”, misturado com ar contemporâneo. Como foi a construção desses ambientes? De onde vieram as referências pra montar os espaços?
De fato, porque sempre quisemos um ambiente que remetesse a uma casa. A gente queria que as pessoas se sentissem em casa. Não só queríamos abrir um café porque queríamos um trabalho, mas também queríamos um trabalho agradável. A gente se dá conta de como, cada vez mais, as pessoas pensam na qualidade de vida, na realização do trabalho, mas o universo do trabalho ainda é muito tradicional, e às vezes não é fonte de realização. Então queríamos um local que fosse agradável para nós e para os funcionários.Quando vimos que a casa tinha diferentes cômodos, e tínhamos muitas ideias de decoração, pensamos em decorar cada sala de um jeito. Se fosse um único salão, tínhamos que executar só uma ideia. Essa casa deu a possibilidade de dar vasão a várias ideias de decoração. Achávamos legal uma cor turquesa, uma cor vinho, uma cor azul. Se tivéssemos só um ambiente não tinha como pintar de todas as cores. Ali conseguimos fazer isso.
Sempre frequentamos muito café, gostamos muito desse tipo de ambiente. Ele é perfeito pra tudo: pro primeiro encontro, pros namorados, pra quando quer conversar com amiga, pra levar criança, sempre achamos o ambiente de café muito bacana. Por isso sempre quisemos abrir.
No Agridoce é tudo personalizado. Os pratos são exclusivos e tudo muito artesanal. Como foi essa escolha?
Na época em que abrimos eram pouquíssimos os cafés bacanas que tinham confeitaria própria. Em geral a comida era a mesma em todos os lugares porque os fornecedores principais eram os mesmos. Isso nos incomodava um pouco. Quando abrimos o Agridoce decidimos fazer esse esforço de ter uma confeitaria própria. Foi um pouco loucura porque não tínhamos experiência e não sabíamos como custava caro. Os equipamentos são muito caros. Pensamos se teríamos a confeitaria ou se revenderíamos. Na última hora, vimos que estávamos apertados de dinheiro mas não abriríamos mão: era uma ideia que fazia parte da nossa identidade e da proposta que queríamos manter desde o início, um local que tivesse suas próprias comidas. Porque ai ate a concorrência fica mais bacana: o cliente vai naquele lugar onde sabe que só vai ter aquilo que procura.
Vocês prezam muito pela experiência – vivência de lugar e gastronômica –, isso se enxerga em cada detalhe. Podes falar um pouco sobre o conceito da casa nesse aspecto?
Prezamos muito pela experiência, sim. Ultimamente as pessoas cozinham e se interessam cada vez mais pela gastronomia. Tem muita gente que sabe cozinhar coisas boas em casa, então não faz muito sentido ter um ambiente comum, comercial e servir um risoto. Porque tem muitas pessoas hoje em dia que sabem fazer um ótimo risoto em casa. Então não nos parecia fazer sentido a pessoa só ir ali pra tomar um bom café. A pessoa tinha que estar ali pra tomar um bom café e apreciar aquele ambiente também, uma atmosfera como um todo. Por isso tentamos sempre manter todas as coisas no mesmo nível. Se a decoração teria um investimento muito grande, peculiar, o café também deveria ser um café bom e especial. E a comida também tinha que estar no mesmo nível do ambiente. Por isso tentamos sempre manter os pilares no mesmo nível: a comida, bebida e ambiente.
Quais são os produtos oferecidos e o carro-chefe da casa?
Atualmente o nosso carro-chefe é a cheescake de frutas vermelhas e a torta trufada de chocolate, produtos que abrangem quantidade de pessoas porque são mais tradicionais. Nos salgados, as quiches e os sanduíches. Alguns inclusive são sabores que fazíamos em casa e levamos para o cardápio. A nossa preocupação maior é que tudo seja artesanal. Nunca usamos xarope industrializado pra fazer soda italiana, por exemplo, e nossas baristas desenvolvem todas as geleias e caldas. A calda de chocolate é do chocolate, a soda vem da fruta, são produtos mais artesanais. Temos muito essa preocupação. Queremos que pelo menos quando a pessoa for consumir algo mais calórico, um açúcar ou doce, que seja algo artesanal e provavelmente terá menos caloria do que algo industrializado. Tentamos fazer um trabalho mais humilde, modesto e artesanal com a comida.
A trancos e barrancos, aprendemos muito nos primeiros anos. Estamos entrando no nosso quarto ano e aprendemos a nos tornar pessoas mais equilibradas, centradas. No início era muito estressante, muita carga de trabalho, responsabilidade que não estávamos acostumados. Às vezes ficávamos à flor da pele, agora estamos mais tranquilos. Mas é um trabalho que ocupa a vida em 100% do tempo. A vida e esse trabalho não se separam mais, até porque a gente sente muito prazer com ele, realmente gostamos muito.
O Agridoce Café fica na Sarmento Leite, 1024, na Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Eles ainda alugam o lindo espaço para fotos e gravações. Saiba mais na página no Facebook.
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